Assim como hoje a pandemia da COVID-19 também estreita e cria correntes de solidariedade entre as pessoas das mais diversas extrações sociais, na “gripe espanhola” de 1918, em Porto Alegre, não foi diferente: doações de alimentos foram organizadas por diversas entidades da cidade, e a revista A Máscara registrou o movimento das pessoas das camadas mais pobres da cidade para os centros de distribuição. Numa situação de pandemia, como a que vivemos hoje, elas certamente seriam as mais atingidas.

Fotógrafo desconhecido. A Máscara, 23/11/1918, Anno I, Número XLI, p. 14. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Em Porto Alegre e no Brasil inteiro, certamente, essas cenas devem ter sido comuns. Tanto em 1918 quanto em 2020 os bolsões de pobreza urbanos, aqui chamados de bas-fonds, infelizmente permanecem. Com suas moradias precárias, ausência ou péssimo saneamento, e densamente ocupados por trabalhadores pobres continuamente assolados pela fome, esses lugares e seus habitantes pareciam despertar alternadamente piedade e repulsa entre as classes médias e altas. Ora eram vistos como indivíduos degenerados nas páginas policiais, ora como infelizes nas notícias sobre caridade, como na nota abaixo:
“Os nossos pobres[1]
Nos ‘bas-fonds’ de toda a cidade, sob a miseria e a tristeza dos dias sem pão e sem luz, vegeta uma multidão incontavel de infelizes, de anonymos, esmagados pelas rodas implacaveis do carro social. Tambem nós os temos, na nossa cidade.
Deliciando-nos no conforto da vida moderna, fouces do soffrimento e da dor mal pensavamos na infelicidade alheia.
A ‘hespanhola’, de subito, fez-nos descer até essas pobres victimas da fome e da indigencia, quando não nô-los trouxe até ás nossas portas.

Fotógrafo desconhecido. A Máscara, 23/11/1918, Anno I, Número XLI, p. 12. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

Fotógrafo desconhecido. A Máscara, 23/11/1918, Anno I, Número XLI, p. 17. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Foi assim que a cidade toca commungou num só soffrimento, dividindo o seu coração com todos, pobres e ricos. Mais uma vez: só a dor irmana os corações e iguala as condições humanas.
A nossa photographia é um desses quadros vivos da miseria. Nas portas da ‘Loja da Maçonaria Rio Grandense’, a multidão ergue os braços para receber o obulo da caridade generosa. Deus abençoe as boas mãos da piedade, soccorro e lenitivo dos pobres!”

Fotógrafo desconhecido. A Máscara, 23/11/1918, Anno I, Número XLI, p. 11. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
[1] Revista A Máscara, 23/11/1918, Anno I, Número XLI, p. 18. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Autoria desconhecida. A grafia original foi mantida.