“A maman do novo penteado”

Entre outras tantas mudanças na moda, os cabelos curtos para as mulheres vieram não apenas em função de uma celebridade influente, como parece querer fazer crer o articulista da revista A Mascara, mas sim de outros fatores bastante palpáveis. Já na Primeira Guerra Mundial (1914-1917), por exemplo, o trabalho feminino nas fábricas da Europa tornou impraticáveis e até perigosos os grandes volumes de cabelos que eram moda até então. A simplificação da moda feminina não se limitou unicamente ao cabelo. No entanto, fiquemos no momento com as palavras* agridoces do cronista, atribuindo à romancista, atriz e jornalista francesa Colette o início da moda dos cabelos femininos curtos:

“Os cabellos compridos, em cujas ondas os retoricos poetas do seculo lindo se afogavam provisoriamente, nas horas que lhes restavam vagas de olhar para a lua de Londres e de lamentar a Doida de Albano, fizeram decididamente a sua época. É verdade que os cabellos longos nos veem desde a primitiva Eva, mas isso não obsta, de modo algum, a que se reconheça hoje que uma cabeça de mulher possa ter o mesmo encanto, e até maior elegancia, sem essas madeixas romanticas com as quaes a costela de Adão cobria biblicamente a sua nudez paradisiaca.

De resto, a moda do cabello cortado á parte todas as vantagens que a hygiene lhe não regateia, marca precisamente uma das ‘etapes’ da emancipação por parte da mulher, de alguns dos antigos preconceitos que embaraçavam a sua liberdade de expansão intelectual e artistica e a ornavam ou a escrava do homem ou o seu objecto de prazer e nunca a companheira das gloriosas lutas pela immortalidade.

Ouvi, em tempo, a um espirituoso, esta phrase causticante para o amor proprio das mulheres: ‘elas são uns seres de cabelos compridos e de ideias curtas’. Agora, porém, registra-se, com surpresa, a inversa: começam a ter os cabellos mais curtos e as ideias mais vastas…

Todas as pessoas cultas sabem que existe, em França, uma formosissima mulher, cujo talento se revela, igualmente no theatro e na literatura e que tem o nome de Colette.

Mas o que nem todos sabem, é que foi ela quem primeiramente cortou, com o maior arrojo e graciosidade, os seus ondeados cabellos, tornando-se assim, a criadora da moda actual.

Colette Willy – ou antes Colette unicamente visto que se divorciou do escritor Willy – é autora da Claudine á l’Ecole, da Vagabonde, da Ingenue Libertine, dos Dialogues de Bêtes, das Vrilles de la Vigue, da Retraite Sentimentale e do Cheri que é na minha opinião, um dos seus melhores trabalhos.

Tem sido, tambem, a criadora e a protagonista de varios bailados – como as danças assirias em que foi magistral – de milhares de couplets – que ela diz e sublinha como ninguem – de alguns quadros de arte e até de alguns dramas; por onde se vê, que Collete tem um talento privilegiado. No entanto, ela não se limita a brilhar artistica e espiritualmente: procura, com igual cuidado ser uma das damas mais elegantes e mais originais.

Colette_ A Mascara-agosto 1925
Figura 1. Colette, reprodução da revista A Mascara, agosto de 1925. Hemeroteca do Museu Hipólito José da Costa.

 

Deste modo, ha bastantes anos tendo notado que os seus longos cabelos se não harmonizavam com a graça gavroche da sua fisionomia, pensou em corta-los para os poder exibir em revoltos caracoes.

Foi ela, pois a primeira mulher que, num gesto decidido, arroustou com a critica e com as insinuações que a originalidae sempre encontra no seu caminho.

Meses depois, outras mulheres lhe seguiram o exemplo, com grande satisfação dos cabeleireiros e com a geral antipatia masculina.

Mas, como o que é repetido se torna um habito… os homens foram se acostumando a ver desaparecer as grandes cabeleiras e a acharem um certo encanto nos cabelos curtos.

Há, porém, muitos cavalheiros demodés que lastimam profundamente a abolição dos cabelos compridos e que, ainda se enlevam na contemplação das ondas dentro em pouco raras das cabeleiras que sobreviveram á guilhotina da moda.

Colette, a mamã dos cabelos cortados, tem uma fisionomia privilegiada para este genero do penteado. Os seus grandes olhos, o seu nariz e, principalmente, a sua bôca, vermelha como uma papoula, que parece guardar um sorriso eterno, são o melhor quadro para receber a artistica moldura dos seus cabelos frisados e revoltos. Deixo-me, porém, de falar mais na sua interessante formosura, porque, melhor do que as minhas palavras, o atesta a gravura que ilustra esta cronica.

E, para provar, como a moda dos cabellos cortados está enraizada nas elegantes, basta vêr-se um gracioso desenho de Abel Faivre, em que um marido não encontra outras palavras para galantear a esposa, desvanecida pelo ultimo córte á garçonne, do que dizer-lhe que está adoravel para ser guilhotinada…

B. Delgado.

Colette_1932_(2) Wikimedia Commons
Figura 2. Colette em foto de 1932. Agence de Presse Mondiale Photo Presse, França.

*A grafia original foi mantida.

Referências:

Revista A Mascara, agosto de 1925. Hemeroteca do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa. Porto Alegre.

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