A Máscara: 21/ago/1920 - As habitações em Porto Alegre - detalhe 1: “35$000 ou 40$000 é o preço que pagam os habitantes desta avenida. Os nossos leitores pódem, pelo <> acima, fazer bem a ideia do que será a vida neste cortiço...”

O que é uma avenida?

Em seu significado mais corriqueiro nos dias de hoje, a palavra avenida refere-se a uma via larga na cidade, remetendo à idéia de modernidade e velocidade de circulação. Porém, antigamente, essa mesma palavra significava algo totalmente diferente: segundo o dicionário Caldas Aulete, além de significar uma ampla e moderna rua, avenida também significa “conjunto de pequenas moradias, ger. idênticas, dispostas de modo que forme uma rua ou praça interior; VILA”[1].

Assim, a avenida é caracterizada por formar uma pequena via entre um ou dois corredores de casinhas de aluguel, simples, geralmente de madeira, destinadas às camadas mais pobres da população. Como em Porto Alegre os lotes urbanos são característicos da colonização portuguesa, ou seja, com pequena testada e grande profundidade, construir casinhas de aluguel ao longo do terreno era uma opção interessante de ganhar dinheiro em cima da localização e proximidade do atual centro histórico, onde se situavam os empregos nos comércios, oficinas e nas primeiras indústrias. Como exemplo, Irene Santos (2010) narra da seguinte forma a construção de uma avenida na rua Múcio Teixeira, antigo Areal da Baronesa:

Imigrante italiana, oriunda de Fanano, […] dona Elvira era uma exímia comerciante. Ao perceber que poderia aumentar suas rendas a partir do terreno onde morava, decidiu construir naquela área pequenas moradias e alugar. Investiu no comprimento e largura da imensa [área onde já havia construído sua cada de madeira em estilo italiano. Sua clientela era composta de operários, cozinheiras, lavadeiras e pessoas que trabalhavam no comércio.[2]

A mesma autora ainda traz as recordações da lituana Chvola Mina, chegada em Porto Alegre com sua família em 1927, onde alugaram uma casinha, também chamada de peça dada a sua diminuta área, numa avenida do bairro Bom Fim:

A casa alugada tinha um quarto na parte da frente, uma sala bem pequena, e outro quarto que eu e minha irmã dividíamos. A cozinha era minúscula e no pátio, igualmente pequeno, um pé de mamoeiro.[3]

De fato, na pesquisa documental sobre a história de Porto Alegre, a palavra avenida aparece muitas vezes associada às moradias pobres e insalubres, associadas aos crimes narrados nas notícias policiais. Também, muitas vezes, aparece mesmo como sinônimo de “beco”, “viela” ou “cortiço”, e até o início do século XX estavam presentes mesmo na Rua dos Andradas, tradicionalmente a mais rica do centro histórico da cidade. Nesta passagem publicada no Correio do Povo, vê-se a sinonímia entre “cortiço” e “beco”:

No cortiço [grifo da pesquisadora], existente á rua dos Andradas n. 113-A, residencia de meia duzia de raparigas, registrou-se, hontem, ás nove horas, um sarilho.

[…]

Segundo as informações obtidas pela policia, o agente poz-se a desafiar as pessoas que se achavam no interior do becco [grifo da pesquisadora].[4]

Já neste trecho de carta ao jornal Correio do Povo, cortiços e avenidas aparecem como sinônimos, e descreve-se as últimas da seguinte forma:

[…] qualquer “cortiço”, de viella infecta e que, por ironia, se lhe dá o pomposo nome de “avenida”, quando, no entanto, é certo que não passa de verdeiro fóco, onde os maiores estragos produzem a bubonica, a variola, o typho e a tuberculose, está pela locação, nunca inferior, a 30$ ou 40$000 mensaes, de sorte que o pobre operario, ou jornaleiro, que tem de pagar pelo kilo do feijão 1$500 e, ás vezes, até, preço mais alto, se vê em serias aperturas, no fim de cada mez.[5]

Vê-se a referência ao custo da moradia comparado com o custo dos alimentos para a população trabalhadora, desde aquela época mal alojada na cidade. Da mesma forma, na revista A Mascara, lamenta-se o preço de morar em viellas e beccos ainda por cima em péssimas condições de higiene:

Em viellas e beccos, postos numa promiscuidade nefasta, vivem verdadeiras populações de entes miseraveis. Um passeio pelo Areal da Baroneza (lembrar o nome dessa arrabalde é trazer à lembrança a chronica delictuosa da cidade) suggere um <<cour de miracles>> espantosa e quasi incrivel![6]

Como se pode ver nas duas fotografias que acompanham a reportagem, aqui também trata-se de construções de madeira em torno de uma estreita rua, na qual o acúmulo de água em poças também é notável.

 

Como medida para coibir a construção desse tipo de moradia, e também como provavelmente parte da política higienista em Porto Alegre no início do século XX, o prefeito Otávio Rocha decretou em 16 de junho de 1926[7] a proibição das construções de madeira em áreas da encosta sul do atual centro histórico da cidade. Por outro lado, determinou que as remanescentes fossem substituídas por construções de alvenaria num prazo de seis meses afim de minimizar os riscos de incêndios.

Com isso, pode-se dizer que as avenidas eram, por um lado, a solução de moradia no centro da cidade para a classe trabalhadora num contexto de reformas urbanas e aumento de impostos prediais, o que deixava escasso o estoque de habitações disponíveis. Além disso, o custo e a precariedade dos serviços de transporte público tornava habitar os arrabaldes muito caro para essas camadas mais modestas. Por outro lado, mostra também a especulação em cima do solo urbano por parte de pessoas mais abastadas, gerando uma renda contínua em cima do valor de seus terrenos no atual centro. Naturalmente, os médicos sanitaristas e a crescente fiscalização da prefeitura trabalhavam contra a construção dessas fileiras de casinhas de porta e janela ou peças, ao mesmo tempo promovendo a construção de moradias mais arejadas e iluminadas, porém também empurrando as populações mais pobres para longe de seus empregos e dos serviços urbanos.

Referências:

[1] Conforme http://www.aulete.com.br/avenida, acessado em 20/9/2017.

[2] SANTOS, Irene (coord. ed.). Colonos e quilombolas: memória fotográfica das colônias africanas de Porto Alegre. Porto Alegre: [s.n.], 2010. P. 43.

[3] Op. cit., p. 43.

[4] Correio do Povo, jan-ago 1927. Acervo da hemeroteca do Museu de Comunicação de Porto Alegre Social Hipólito José da Costa.

[5] Correio do Povo, 17/07/1925. Acervo da hemeroteca do Museu de Comunicação de Porto Alegre Social Hipólito José da Costa.

[6] Revista “A Mascara”, 21/08/1920. Acervo da hemeroteca do Museu de Comunicação de Porto Alegre Social Hipólito José da Costa.

[7] Correio do Povo, 17/06/1926. Acervo da hemeroteca do Museu de Comunicação de Porto Alegre Social Hipólito José da Costa.

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