"O palacete na rua Riachuelo" Correio do Povo, 25/4/1929, p. 8. Hemeroteca do AHMMV. Detalhe.

O palacete na rua Riachuelo

No distante 1929 Porto Alegre não se modernizava apenas através de suas obras públicas, mas também pela iniciativa privada, como mostra esta reportagem – ou peça publicitária? – da edição de 15/4/1929 do Correio do Povo. Se no front público a paisagem urbana abria avenidas iluminadas com o mais moderno da iluminação elétrica, nas propriedades privadas a arquitetura “moderna” substituía os antigos casarões coloniais e imperiais.

Mas que arquitetura “moderna” era essa? Quando se pensa nos anos 1920, logo vem à mente o estilo Art Déco, caracterizado por suas linhas retas e dinâmicas, sua geometrização e sobriedade decorativa. Porém, por aqui o gosto aristocrático ainda era apegado à tradição do estilo eclético historicista, do qual o palacete mostrado nessa reportagem é um belo exemplo. A fachada é ricamente decorada num estilo que mistura elementos greco-romanos (rusticação, pilastras, colunatas jônicas, cornijas e frisos com motivos vegetais) com outros possivelmente mais barrocos (como pilastras esculpidas, capitéis esguios, etc.), claramente remetendo a uma tradição fortemente ancorada na arquitetura do século XIX. Mesmo por dentro, os seus cômodos decorados com pinturas murais, vitraux e imitações de mármores de Carrara só reforçam essa impressão.

O que realmente a torna moderna, porém, são as inovações técnicas e higiênicas incorporadas: a melhor ventilação e iluminação na presença de um jardim de inverno e “amplo e arejado corredor”, o revestimento frio da cozinha com azulejos, e as instalações modernas para banheiro. A preocupação com a higiene e limpeza nas construções, derivadas também dos avanços do urbanismo nas décadas anteriores, é que dá a marca da modernidade na Porto Alegre dos anos 1920.

“As construcções particulares em Porto Alegre[1]

Na rua Riachuelo acaba de ser construido um magnifico palacete

Uma visita feita ao novo predio, a convite de seus constructores

As construcções particulares, acompanhando a rapida marcha do desenvolvimento da cidade, tem, nestes ultimos annos, accusado um consideravel augmento em Porto Alegre.

Nota-se em todos os pontos da cidade, desde as suas ruas mais centraes até os mais distantes arrabaldes, hoje transformados, em sua maior parte em bairros aristocraticos, uma verdadeira febre de construcções, que vêm dar á capital um agradavel aspecto que desperta, desde logo, a attenção dos forasteiros.

Um dos pontos mais centraes da cidade, a rua Riachuelo, acaba de ser enriquecida com um magnifico palacete, cujas bellas linhas architectonicas emprestam um agradavel aspecto áquelle trecho da nossa capital, onde rareiam as construcções desse genero.

Hontem, um dos nossos representantes, a convite dos srs. Baraldo e Rodrigues, seus constructores e do dr. Alberto Gigante, advogado nos auditorios desta capital, para cuja residencia particular foi elle construido [sic], visitou aquelle palacete, situado no predio n. 1304.

Tem o magnifico palacete 40 palmos de frente por 200 de fundos, sendo todo o seu  frontespicio e o ‘hall’ de marmore. A porta que dá acesso da rua ao edificio é toda de cedro esculpida em alto e em baixo relevo.

Ao nosso representante os constructores forneceram todas as informações precisas sobre aquella obra, que, como acima accentuamos, veiu contribuir grandemente para o embellezamento daquelle trecho da nossa capital.

Á direita do ‘hall’ estão localisadas a bibliotheca e o gabinete de trabalho do dr. Alberto Gigante, ligadas por um artistico arco suspenso por duas columnas confeccionadas de forma a imitar perfeitamente o marmore de Carrara. Ao fundo do gabinete destacam-se dois sumptuosos ‘vitraux’, symbolizando, um a Sciencia e o outro a Justiça.

Na sala de jantar, ligada ao gabinete por um amplo e arejado corredor com portas para um jardim de inverno, existe, tambem, um outro ‘vitraux’ reproduzindo a ‘Ceia de Christo’, e Leonardo da Vinci, e que méde 4 metros de comprimento por 2 metros e meio de altura, trabalho esse de apurado gosto artistico, e que, como os outros dois que ornam o gabinete, foi executado nesta capital, pela Casa Genta.

Junto à varanda, destacam-se a cópa e a cosinha, cujos pisos são de marmore e as paredes de azulejo, de cima a baixo.

Percorrido, assim, o andar terreo, que termina com um bem cuidado jardim, passou o nosso representante, sempre acompanhado por um dos socios da firma constructora e do proprietario do palacete, para os compartimentos do segundo andar, em cuja frente existe a sala de receber, ligada ao quarto de dormir, que tem, por sua vez, communicação com o quarto de banho, dotado de todos os mais modernos apparelhos destinados a peças dessa natureza.

Existem, ainda, nesse segundo andar salas para senhoras, sala de fumar e sala de musica, peças essas todas decoradas com apurado gosto.

Terminada a visita, que durou mais de meia hora, os socios componentes da firma constructora, que alem desse, ja edificaram cerca de 40 predios nesta capital, bem como o proprietario do palacete, offereceram na sala de fumar, um profuso ‘copo d’agua’ ao nosso representante, que dali saiu vivamente impressionado com o apurado gosto artistico que presidiu todos os trabalhos ali executados.

Todos os compartimentos são finamente pintados, com allegorias differentes em casa peça.”

Autoria desconhecida.

"O palacete na rua Riachuelo" Correio do Povo, 25/4/1929, p. 8. Hemeroteca do AHMMV.
“O palacete na rua Riachuelo” Correio do Povo, 25/4/1929, p. 8. Hemeroteca do AHMMV.

Referências:

[1] Correio do Povo, 25/4/1929, p. 8. Hemeroteca do AHMMV. A grafia original foi mantida.

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