"[...] pedaço da ria Maryland (Mont Serrat)". Correio do Povo, 11/01/1931, p. 10. Hemeroteca do Arquivo Histórico Municipal Moysés Vellinho. ID

“O contraste entre os novos panoramas e os aspectos que enfeiam a cidade”

Não é novidade que as cidades tem áreas que recebem mais melhorias e investimentos que outras, e em Porto Alegre isso não foi diferente. No meio da febre de grandes reformas urbanas então, o contraste entre o atual centro histórico e os bairros mais afastados ficava ainda mais acentuado. Como sempre, as áreas mais longínquas do centro são as últimas a receberem as benfeitorias de infra-estrutura que caracterizam o solo urbanizado, tais como iluminação, saneamento, recolhimento de lixo e transporte, entre outras. E o atendo jornalista do Correio do Povo aponta essa desigualdade:

 

“O contraste entre os novos panoramas e os aspectos que enfeiam a cidade[1]

Esplendor e pobreza – Notas deformadoras na obra do embelezamento urbano – O centro e os arrabaldes

Porto Alegre, no surto do seu vertiginoso desenvolvimento, apresenta quadros curiosíssimos. Em toda a cidade que atravessa uma phase de intensa e accelerada remodelação, ocorre o phenomeno resultante do contraste entre os novos panoramas e os aspectos tradicionaes. É o conflito entre o passado, que permanece, e a evolução, que tudo transforma. Sente-se essa fórma de dualidade a cada passo, no imprevisto das esquinas, nos quarteirões do centro, nos arrabaldes mais distantes. Dir-se-ia que, resistindo ás forças avassalantes do progresso, á lei implacável da transformação, a alma da cidade velha obstina-se em fluctuar, aqui e ali, sobre todo o esplendor da cidade moderna.

Outros aspectos da evolução

Mas não é somente esse contraste vivíssimo entre os escombros da capital provinciana e o brilho da metrópole de hoje que nos surpreende os olhos e o espirito, no processo da expansão urbanística de Porto Alegre. Existe e existirá sempre, ainda nos aglomerados urbanos mais sensíveis á obra modificadora da civilização, uma perspectiva histórica, o do tumulto renovador, em meio de todas as forças desencadeadas pelo progresso, – eis uma das maiores exigências do urbanismo.

Diziamos que não somente o antagonismo entre as expressões remanescentes de Porto Alegre de outr’ora e a pompa decorativa da metrópole actual nos surpreende aqui. Sob outro aspecto, a nossa cidade surge aos olhos do urbanita. Referimo-nos ás ‘manchas’ que os serviços de embellezamento vão deixando em muitos pontos, talvez pela impossibilidade de se executar de golpe todo o plano remodelador, talvez por certa indiferença dos poderes públicos.

Do centro para o arrabalde

Façamos, para illustração destas observações, um ligeiro passeio, com os leitores que nos quiserem acompanhar. Comecemos pelo centro, pelas arterias onde circula plethoricamente a vida de uma collectividade de 300 mil habitantes. Aqui tudo nos maravilha, uma festa de côr, de linhas, de fórmas. Arranha-céos, o arranha-céo do Brasil, bem diferente do americano, em que se reflecte o frenesi da altura, a fome dos espaços azues.

Ruas admiravelmente calçadas. Lojas opulentas, com faiscantes vitrinas. Automoveis que rolam maciamente. O borborinho humano dos passeios, das confeitarias, dos bares, das casas de chá.

Por toda a parte, em suma, o espetáculo amavel da civilização. Disparemos, no emtanto, alguns minutos, para os bairros mais remotos, para as zonas periféricas de Porto Alegre. Encontraremos lindas vivendas, chalés encantadores. E encontraremos, principalmente, trechos de ruas pobres que destoam do conjuncto gracioso e põem uma nota de fealdade na obra embellezadora  de Porto Alegre.

A cidade que rejuvenesce conserva chagas terríveis: são as ruas esburacadas do Parthenon, de S. João e Navegantes. São as aguas paradas que reflectem, junto dos passeios, a silhueta do transeunte ou o perfil ágil do garoto que passa. Ellas contaminam o ar com suas emanações pestilenciaes. Nesses poços de agua esverdeada os sapos se agglomeram em colônias algazarrentas. Constituem, portanto, perigosos viveiros de mosquitos.

O turista que, deslumbrado com a belleza da cidade, na área das suas construcções monumentais, mergulha, de chofre, nas ruas pobres e abandonadas de certos arrabaldes, tem logo a impressão mais desconcertante possível.

Infelizmente, é assim, a cidade, na sua febre de remodelamento, paga um triste tributo ás contingencias de todo o esforço humano. Porque, sendo esplendidamente bella, ainda consegue ser contemporaneamente desgraciosa, nos bairros onde não chega ainda a força irresistível do progresso. Opulencia e pobreza…”.

Autoria desconhecida.

"O contraste entre os novos panoramas". Correio do Povo, 11/01/1931, p. 10. Hemeroteca do Arquivo Histórico Municipal Moysés Vellinho.
“O contraste entre os novos panoramas”. Correio do Povo, 11/01/1931, p. 10. Hemeroteca do Arquivo Histórico Municipal Moysés Vellinho.

Referências:

[1] Correio do Povo, 11/01/1931, p. 10. Hemeroteca do Arquivo Histórico Municipal Moysés Vellinho. A grafia original foi mantida.

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