O beco Curral das Éguas

Na edição de 7/11/1910 do jornal “A Federação”[1] tem-se notícia de um crime de assassinato ocorrido no “beco” ou “avenida” chamado Curral das Éguas. De nome bastante popular e ligado às práticas do quotidiano, é interessante ver no caso do Curral das Éguas a confusão de termos, notando-se que “beco” tanto serve para designar uma ruela ou rua estreita na cidade como também um espaço de múltiplas casinhas construído em um único lote. Conforme a notícia, o lote em questão era o de número 86 da rua João Alfredo, no qual havia um portão por onde se acessava a avenida ou beco Curral das Éguas. Como ocorre habitualmente, esses lugares da cidade aparecem em notícias sobre crimes e comportamentos reprováveis protagonizados pelas populações mais pobres.

Abaixo, a notícia transcrita com a grafia da época:

“Assassinato

Na madrugada de sábado para domingo occorreu, nesta capital, um assassinato.

Na rua João Alfredo n. 86 existe um portão que comunica com a avenida Curral das Eguas, na qual residiam Olympio de Assumpção e Luiza Weimann, que viviam maritalmente ha cerca de tres anos.
No sabbado, Luiza vendo a demora de seu amasio em voltar para casa, saiu ás 11 ½ da noite em procura de Olympio, percorrendo as vendas que este costumava frequentar.
Espreitando pela janela do armazém de Custodio Pereira de Sá, sito à rua João Alfredo n. 17, Luiza viu Olympio discutindo com Manoel Martins de Farias, por causa do pagamento da aguardente que haviam ingerido, ambos fazendo questão de pagar a despeza.
Procurando gracejar, Luiza gritou, escondendo-se: « Então, tens muito dinheiro? »
Esta frase encolerisou Olympio, que, saccando de uma faca que trazia no cano da botina, exclamou:
« Espera que já ensino este gracioso ou esta graciosa ! »
E, acto contínuo, saiu bruscamente para a rua.
Contra a expectativa, pois Olympio estava encolerisado, ao ver que Luiza fôra a auctora do gracejo acalmou-se, e, em companhia desta, seguiu para a casa.
Manoel Martins de Faria, que de longe os vigiava, vendo seguirem juntos, e como estivesse farto, segundo declarou, das exigencias de Olympio, retirou-se em direcção a sua residencia.
Passando por ali, justamente nesse ocasiào, o soldado do 2º batalhão da Brigada Militar Silverio Rodrigues, Luiza solicitou-lhe que a acompanhasse até a casa, afim de acalmar o seu amante.
Depois de breve reluctancia, o soldado accedeu ao pedido da mulher, e seguiu-a.
A uma distancia de tres metros da casa viram-se, Luiza e Silverio, subitamente aggredidos por Olympio, que, sem dar tempo á defesa, vibrou em Luiza uma facada, que penetrou no terceiro espaço intercostal, tendo atravessado o coração.
Luiza correu, vindo cair no portão.
Rapidamente Olympio voltou-se para o soldado Silverio, ferindo-o no mesmo lugar que Luiza, mas sómente atravessando a faca o tecido muscular, devido á agilidade com que o soldado se defendeu.
João Pinto Costa, um dos que se achavam no armazem referido, e que de longe acompanhára Luiza e Olympio, viu esta cair no portão e immediatamente procurou a patrulha da policia administrativa, comunicando o occorrido.
Esta imediatamente accudiu, cercando o local onde se dera o crime.
Passando revista nos terrenos contíguos, os guardas não encontraram o criminoso, pois que este, logo após o assassinato, havia saltado por cima de uma casinha da avenida, e fugado.
Logo após a policia administrativa avisou o dr. Oswaldo Vergara, delegado judiciário do 2º districto, que compareceu ao local, acompanhado do dr. Pitta Pinheiro, medico legista.
Avisado, tambem compareceu, com a costumada rapidez, o pessoal da assistência do 2º posto, providenciando para transportar Luiza para o ambulatório.
Nessa occasião Luiza fallecia, sendo o cadaver transportado para o necrotério da chefatura de policia, no carro municipal.
O soldado foi medicado no 2º posto, para onde se dirigiu a pé e dahi recolhido, preso, ao quartel do seu batalhão.
Hontem teve lugar a autopsia.
Devido ás providencias tomadas pelo delegado do 2º districto, auxiliado efficazmente pela policia administrativa, foi o criminoso preso, hontem, na rua Santo Antonio, esquina da Floresta.
Não oppoz resistencia á prisão.
Ao nosso reporter declarou Olympio que vinha entregar-se á policia.
O dr. Oswaldo Vergara ouviu, hoje, no seu gabinete, as testemunhas do crime e fez tomar por termo as declarações do assassino.
O dr. Oswaldo Vergara requisitou ao dr. Hugo Teixeira, juiz districtal do crime, que fosse expedido mandado de prisão preventiva contra o assassino, visto ter o mesmo confessado o crime.”

Pode-se entrever alguns aspectos do quotidiano de lugares como o beco ou avenida Curral das Éguas na pessoa de Luiza Weimann, cujo sobrenome faz pensar em uma imigrante europeia pobre nos espaços subalternos da cidade. Vê-se seu “amante”, “amasio”, e não marido, Olympio de Assumpção, de provável origem portuguesa e frequentador de “vendas”, bebendo aguardente tarde da noite num armazém das vizinhanças em companhia de um compadre. Luiza, sem medo de sair à rua àquela hora como uma mulher habituada às ruas, ainda graceja com a conversa dos dois, saindo com o “amasio” provavelmente embriagado. Ao pedir ajuda ao soldado do 2º Batalhão, Luiza deve ter despertado a fúria de Olympio, que termina por atacar ambos a facadas e fugir saltando por cima de uma “casinha da avenida”. Tem-se então a típica tragédia: a pobreza das casinhas de avenida, as reprováveis relações fora do casamento, aguardente e facadas, culminando com a morte de Luiza. Tudo isso na zona da atual Cidade Baixa, à época uma das partes pobres e pouco urbanizadas de Porto Alegre. Pode-se ver, abaixo, dois mapas mostrando onde provavelmente esse drama se deu.

Galeria: Onde estaria o beco Curral das Éguas nos mapas de Porto Alegre ontem e hoje:

Referências:

[1] Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

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