Revista "A Mascara", 1918, Ed00029-1, p12. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

“Manhãs claras, gélidas”

No momento em que o sul do Brasil é atravessado por uma formidável massa de ar polar, vem à lembrança as memórias do escritor e poeta Augusto Meyer. Ele recorda os terríveis invernos de uma Porto Alegre de cem anos atrás, bem mais baixa em sua arquitetura, talvez bem mais exposta às flagelações do minuano.

Sobretudo, ele recorda como o frio castigava os mais pobres, coisa que faz até nossos dias. Só que hoje ficou mais fácil ajudar doando alimentos, agasalhos e cobertores:

Doe cestas básicas pelo Banco de Alimentos do RS

Campanha do agasalho de Porto Alegre

“E o inverno chegava, bruscamente, com as primeiras fúrias do minuano, depois de uma longa chuva. De manhã cedo o lixeiro encapotado explicava à minha mãe que a geada branqueava os campos e era preciso molhar a goela para desentorpecer um pouco, maneira discreta de pedir um trago, ou um cobrinho para o trago. Naqueles dias de minuano, o sol não servia para poncho dos pobres; restava a cachaça, que era uma capa econômica, fácil de se renovar e, além do mais, gostosa. Cheirava a cana o lixeiro e, apesar da repugnância que minha mãe sentia pelos amigos da branquinha, encabeçava a lista dos seus protegidos.

– Coitado! ele hoje estava encarangado, nem podia falar…

Ou então:

– O lixeiro me contou que a geada está matando as plantações, ele estava roxo, duro de frio.

Manhãs claras, gélidas, manhãs de junho na Praça da Matriz. O vento louqueava pelas ruas, batia nas janelas, despenteava as árvores da praça. Os bandos de guris que seguiam para a escola pareciam varridos pela ventania; as pernas roxas por baixo das capas enfunadas e reviradas.

Cada ano

Seu minuano,

Cada dia

Sua folia.

 

Minha capa de capuz,

Forradinha de baeta[1];

Quem tem frio fique no quente;

Quem tem medo não se meta.

 

Marcha, marcha gurizada,

Pelo meio da calçada,

Marcha, marcha para a escola;

 

Quem tem perna encarangada,

Bate sola, bate sola,

Bate sola na calçada.

 

Cada ano

Seu minuano,

Cada dia

Sua folia.”[2]

Revista "A Mascara", 1918, Ed00029-1, p12. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Revista A Mascara, 1918, Ed00029-1, p12. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. “Ainda a neve em Caxias. Aspecto apanhado por occasião das últimas neves”.

[1] Lã espessa e felpuda.

[2] MEYER, Augusto. Segredos da infância – No tempo da flor. Porto Alegre: IEL/ Editora da Universidade/UFRGS, 1996. P. 58-59.

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