O Beco do Império

Quem chega à esquina da Igreja Matriz, na Rua Duque de Caxias com a Rua Espírito Santo, depara-se com uma impressionante ladeira.

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Figura 1. Rua Duque de Caxias esquina com Espírito Santo. Foto da pesquisadora, novembro de 2016

 

Ela é parte do caminho que já foi conhecido como Beco do Império ou do Cemitério, e posiciona-se sobre o espigão em que está o centro histórico de Porto Alegre de modo transversal, descendo sua encosta até a Avenida Washington Luís, a antiga Praia do Riacho. Como o nome “do Cemitério” dá a entender, este espaço está intimamente relacionado ao antigo cemitério que ficava atrás da Igreja Matriz. Segundo Sérgio da Costa Franco (1988),

“Segundo se vê nas atas de 11/out. e 16/out., de 1817, esta rua foi aberta por determinação expressa do governador da Capitania, Marquês de Alegrete, atendendo a requerimento de moradores da Rua do Arvoredo. […] O memorial dos moradores da Rua do Arvoredo alegava, em síntese, que para irem aos ofícios da Matriz serviam-se de um caminho que passava pelo interior do cemitério da mesma matriz; e como se projetava fazer uma tapagem do cemitério, ficariam eles privados da passagem. Pediam, por isso a abertura de um beco ou viela [grifo da pesquisadora] por fora da parede do cemitério, a sair ‘entre as casas do Império e as do falecido Domingos de Lima Veiga, de que não provirá prejuízo de terceiros, por ser já destinado antigamente o terreno da dita viela para servidão pública’. ‘Império’, como bem se sabe, era a construção que servia às festas da Irmandade do Divino Espírito Santo, ao lado da Matriz.”[1]

Por sua vez, Achylles Porto Alegre (1940) também mostra essa associação daquele beco ao antigo cemitério, detalhando porém a sua relação com o “Império”:

Teve o primeiro nome [do Cemitério] pelo facto de nas suas proximidades no logar hoje occupado pela praça Marechal Deodoro, estabelecer-se o segundo cemiterio que tivemos. Imperio – assim se baptisou a rua hoje do Espirito Santo, mas sempre chamada por aquele nome, recordando a creação na esquina da praça, da capella ou imperio do Divino. Este templo ha passado por sucessivas reformas, datando seu levantamento pouco mais ou menos de 1772. A000 antiga construcção tinha cinco portas de frente, como ver-se-á por uma vista antiga. Mais tarde foi demolida, ficando com tres. Ainda soffreu nova demolição em 1882, para dar logar á interessante capella que hoje se levanta no mesmo sitio.[2]

Franco (1988) diz que “por muito tempo, usou-se indiferentemente o nome de Beco do Império ou de Beco do Cemitério, para esta ladeirenta via pública”.[3] Com isso concorda por Coruja (1983 [1881]), quando diz que “eis pois o que se chamava Beco do Império por onde se descia em terreno ladeirento [grifo da pesquisadora] tendo de um lado o cemitério e do outro os quintais fronteiros [grifo da pesquisadora,], e se chama hoje Rua do Espírito Santo.”[4]

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Figura 2. Ladeira íngreme até a Coronel Fernando Machado. Foto da pesquisadora, novembro de 2016
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Figura 3. “Quintais fronteiros” no antigo Beco do Império. Final do século XIX – início do século XX. Acervo do Museu Hipólito José da Costa

Por fim, Coruja (1983 [1881]) indica também que não havia muitas construções do lado sul da encosta, percorrido por este antigo beco: “quem conheceu este beco desde os antigos tempos, sabe ou deve lembrar-se que só tinha duas casas nas duas esquinas da rua da Igreja […]”[5]

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Figura 4. O antigo Beco do Império em finais do século XIX. Fototeca Sioma Breitman/Acervo Família Prati

Um exame do antigo Beco do Império na Planta Cadastral de 1893, executada pelo engenheiro Guilherme Ahrons, mostra o que pode ser interpretado como a planta baixa de uma “avenida”, ou seja, um lote dividido em um corredor de casinhas de aluguel, tipicamente destinadas aos trabalhadores mais pobres da cidade (fig. 5).

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Figura 5. Lote localizado quase na esquina da Rua Espírito Santo com a Demétrio Ribeiro, na planta Cadastral de 1893 (Mapoteca do Arquivo Histórico Municipal Moysés Vellinho). Nota-se a numeração das residências, que vai de 216 a228 da Rua Demétrio Ribeiro, num espaço exíguo. Seria uma “avenida”?

Mais tarde, no livro Porto Alegre: Biografia duma cidade (1941), encontra-se uma fotografia tirada a partir da Igreja Matriz, e que mostra uma parte das edificações do Beco do Império junto à esquina com a Rua Duque de Caxias. É possível notar pela imagem o que parece ser o seu mau estado de conservação, característica bastante associada às crônicas dos becos da cidade (fig. 6).

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Uma visão do antigo Beco do Império. Ao fundo, o antigo Colégio Anchieta, na Duque de Caxias. Porto Alegre: Biografia duma Cidade. Ed. Tipografia do Centro S/A. Porto Alegre, 1941.

Hoje, no entanto, a Rua Espírito Santo está totalmente ocupada, inclusive mostrando edifícios altos na íngreme ladeira que vai da Rua Duque de Caxias até a Rua Coronel Fernando Machado. Entretanto, no percurso que desce até a Avenida Washington Luís, pode-se encontrar construções ainda remanescentes da época em que era um beco (figuras 7, 8  e 9).

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Figura 7. Uma edificação de 1913 na esquina com a Rua Fernando Machado, conforme a fachada. Foto da pesquisadora, novembro de 2016.
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Figura 8. Típicas casinhas de porta e janela na altura do nº 200. A casa da direita parece guardar a configuração interna de corredor e cômodos. Foto da pesquisadora, novembro de 2016.
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Figura 9. Edifício provavelmente do início do séc. XX na esquina da RUA Demétrio Ribeiro. Foto da pesquisadora, novembro de 2016

Bibliografia

[1]FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1988. pp. 155-156.

[2]PORTO ALEGRE, Achylles. História popular de Porto Alegre. Edição organizada por Deusino Varela para as comemorações do bicentenário da cidade e officialisada pela Prefeitura Municipal. Porto Alegre, 1940. p. 15.

[3]FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1988. pp. 155-156.

[4]CORUJA, Antônio Álvares Pereira. Antigualhas; reminiscências de Porto Alegre. Porto Alegre: Companhia União de Seguros Gerais, 1983. pp. 120-121.

[5]CORUJA, Antônio Álvares Pereira. Antigualhas; reminiscências de Porto Alegre. Porto Alegre: Companhia União de Seguros Gerais, 1983. pp. 120-121.

 

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