A hora deliciosa na Galeria dos Espelhos

Assim como hoje em dia temos o happy hour, na Porto Alegre da década de 1920 havia, segundo estas reportagens publicitárias da revista Mascara, a “hora deliciosa”, em que se podia, além de saborear uma torta e um café, ver e ser vista/o. E esta hora do dia tinha o seu lugar: a Galeria dos Espelhos da Confeitaria (ou Café) Colombo.

Pesquisando a época, descobri essa típica sociabilidade das camadas médias da sociedade porto-alegrense do início do século, e naturalmente decidi usá-la como base para uma cena do volume 2 da minha história em quadrinhos Beco do Rosário:

Esboço a lápis na página 6 do volume 2 de Beco do Rosário retratando o interior da Confeitaria Colombo. Fonte: a pesquisadora,

Além de encontrar nestas reportagens[1], de janeiro de 1925 e fevereiro de 1927, respectivamente, a base visual para o desenho da cena, pois contam com belas fotografias do interior da confeitaria, o texto que as acompanha descreve um ambiente de fuga do calor do verão no luxo e conforto do estabelecimento. O texto não deixa dúvidas: congregando a sociedade abastada e moderna do seu dia, a Galeria dos Espelhos da Confeitaria Colombo seria também um ambiente de flertes e encontros amorosos elegantes, certamente mais platônicos que aqueles dos cabarés.

É interessante notar que o mesmo texto de 1925 repete-se na edição de 1927, apenas com o acréscimo de legendas descritivas para as fotografias novas e inserções que substituem claramente as senhorinhas da sociedade nomeadas no primeiro por galãs (“Valentinos”) e vamps (“Normas e Polas Negris”, em referências a atores e atrizes hollywoodianos da época, símbolos sexuais). Típico de uma cidade ainda pequena mas que se quer metrópole.

“A ‘Hora Deliciosa’ na Galeria dos Espelhos da Confeitaria Colombo[2]

Porto Alegre civilisada, Porto Alegre elegante dos salões aristocraticos, da vida chic, das reuniões finas, tem as suas justissimas predilecções.

Ainda não totalmente attrahida pelas praias, nesse pavor ardente de estio, quando o sól é um monoculo de fogo no olho divino de Jehovat, depois das horas lentamente arrastadas de um dia inteiro de ‘villino’, sobre a sêda bordada dos coxins, deixando o interior suave dos ‘appartements’ de luxo aos primeiros instantes da noite, a ‘Galeria dos Espelhos’ é o ponto preferido para os encontros amoraveis, para a ‘causeria’ borboleteante do espirito, ao som inquietante e nervoso dos fox trots, dos tangos, das marchas das cateretês…

Ali, na ampla e confortável Confeitaria Colombo, está o Grande Mundo, o aplomb dos ‘palm-beach’ lusidios, a seducção das sêdas leves, o brilho fascinante das joias, num colorido bizarro de tela animada, que o pincel milagroso do acaso realisou, a traços rapidos, para o encanto delicado dos sentidos…

É delicioso estar-se ali, naquelle ambiente caricioso…

Nas noites ‘chics’, na galeria superior, registram-se as entradas: Mells. Clotilde Elejalde, Clarinha Goulart, Eleonora e Maria Massot, Marietta Machado, Odette Faria, Picuchinha Amorim.

“O 3º andar da Confeitaria Colombo, um dos mais luxuosos do Brasil. Ponto de reunião da nossa melhor sociedade.” Revista Mascara, 01/01/1925.
Fotógrafo desconhecido. Hemeroteca do MCSHJC, Porto Alegre. Foto da pesquisadora.

Depois dos chás elegantes, os concertos modernos…

Regorgitam as duas luxuosas galerias, entram e saem os ‘enfants gatés’, ha sorrisos em todos os labios, galanteios em todas as palavras, promessas em todos os gestos…


“A elegantissima ‘Galeria dos Espelhos’ da Confeitaria Colombo, onde se reune, á noite, a nossa melhor sociedade.” Revista Mascara, 01/01/1925.
Fotógrafo desconhecido. Hemeroteca do MCSHJC, Porto Alegre. Foto da pesquisadora.

Nas horas chics, á tardinha, das 3 ás 6 e á noite, das 8 em diante, regorgitam as duas luxuosas galerias, onde as flores, suavemente se debruçam nos vasos esgalgos, que as encarceram e os olhos, sob a influencia melodiosa e confidente das musicas, dizem a outros olhos palavras de ternura que nunca foram ditas…

Entram e saem os ‘enfants gatés’, ‘os Valentinos’… ‘as Bebês Daniels’… ‘Normas e Polas Negris’, de olhos esgaseados… sonhadores… Há sorrisos em todos os labios, galanteios em todas as palavras, promessas em todos os gestos…

Depois dos chás elegantes, os concertos modernos… tudo concorre para aquelle vae e vem constante. [3]

Empertigados e attenciosos os ‘garçons’ trazem nas bandejas de prata, entre ‘taças colombo’ e gelados deliciosos, a cabeça de muitos ‘João Baptista’…

A eterna Salomé!…

Quando as ‘limousines’ buzinam na rua movimentada a despedida da ‘Hora Boa’ é uma certeza de regresso…

Porque assim ha de ser sempre a attracção do conforto, do prazer e do luxo.”

[Autor desconhecido]


“A elegantissima ‘Galeria dos Espelhos’, da ‘Confeitaria Colombo’, onde se reune, á tarde, a á noite, a nossa melhor sociedade. Os concertos com escolhidos programas, que são executados por excellente orchestra e composta de eximios professores, fazem com que o andar terreo se conserve repleto de ‘habitues’ até altas horas da noite.” Revista Mascara, Ed00001, fevereiro de 1927, p. 35.
Fotógrafo desconhecido. Hemeroteca Online da BN Digital.
“Mais um aspecto da ‘Confeitaria Colombo’ ‘Galeria’ do 3º andar. sem contestação é a mais luxuosa do Brasil. Ponto de reunião de nossa melhor sociedade.”
Revista Mascara, Ed00001, fevereiro de 1927, p. 35.
Fotógrafo desconhecido. Hemeroteca Online da BN Digital.

Referências:

Revista Mascara, 01/01/1925. Hemeroteca do Museu de Comunicação de Porto Alegre Social Hipólito José da Costa.

Revista Mascara, Ed00001, fevereiro de 1927, p. 35. Hemeroteca Online da BN Digital.


[1] A grafia original foi mantida.

[2] Revista Mascara, 01/01/1925. Hemeroteca do Museu de Comunicação de Porto Alegre Social Hipólito José da Costa. A grafia original foi mantida.

[3] Trecho inserido na edição 1 da Revista Mascara, de fevereiro de 1927, p. 35. Hemeroteca Online da BN Digital.

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