Por  Fabien Vehlmann

“Meus colegas da 8comix e eu mesmo tivemos a oportunidade de trocar alguns emails sobre nossas respectivas maneiras de trabalhar.

Além disso, eu já havia redigido um breve resumo de algumas “regras de ouro” que eu pretendo aplicar no meu trabalho, regras essas que me proponho compartihar com vocês, pois alguns dos leitores haviam já me pedido.

Como seu tempo é precioso, vou tentar dar a vocês uma versão curta de alguns macetes e considerações que uso para fazer o meu trabalho.

1) Antes de tudo, estou sempre ligado em coisas novas a descobrir. É fundamental manter-se sempre curioso para cultivar os conhecimentos gerais. Curiosidade a respeito de ficção, de cinema, claro mas também a respeito de outras profissões (como que é realmente ser um policial? Padeiro? Fiscal da receita?…), a respeito de informações científicas, geopolíticas, etc.

Por causa da falta de tempo, essa curiosidade é necessariamente superficial (salvo algumas exceções) mas ela é transversal. Penso que um bom roteirista deve ter uma “pequena noção” a respeito de tudo. Como pedrinhas que se junta ao longo de um caminho, esse conhecimento pacientemente acumulado (o trabalho de uma vida) aparecerá de uma maneira ou outra quando eu estiver escrevendo.

Ele permitirá de dar ao seu leitor uma espécie de “matriz” do universo que você está criando da maneira mais realista possível. Um leitor que percebe um tremendo erro no seu roteiro será como Neo que detecta um “bug” na Matrix: isso o fará “sair” da história que está sendo narrada, ele verá as cordinhas fazendo os personagens moverem-se e o conjunto todo perderá credibilidade, o que deve ser evitado a qualquer preço. O roteirista tem que dar ao leitor a ilusão de que sabe de tudo (mesmo que, em primeiro lugar, isso o torne insuportável aos seus próximos, e em segundo lugar, é uma tarefa interminável).

E sempre, como um bom ilusionista, o roteirista vai trabalhar para atrair a atenção do leitor sobre aquilo que ele conhece bem, tratando de esconder ‘vergonhosamente’ todo o resto.

2) Sempre tenho comigo um bloquinho de notas sobre o qual anotar observações ou idéias assim que elas me vêm à mente (se não o faço, eu as esqueço quase sistematicamente).

3) Para ter idéias, também uso um exercício de colagem inspirado no trabalho dos surrealistas: misturo ao acaso fotos de uns filmes com títulos de outros filmes e vejo que tipo de maluquice me ocorre. Isso funciona só uma vez a cada 30 tentativas, mas quando funciona pode realmente dar um ‘tilt’, me dar uma idéia completamente inesperada e nova, que anoto imediatamente e que poderei desenvolver um dia. Isso me foi de grande valia para escrever os roteiros de alguns como “7 Psicopatas” ou “A ilha de 100.000 mortos” (a idéia da escola de carrascos veio dess processo).

4) Bem, já li “A dramaturgia”, de Lavandier, e “Story” de McKee, que são muito bons para ter em mente as grandes regras da dramaturgia. São livros fascinantes, mais há que se ter cuidado para não fazer deles verdades incontestáveis e imutáveis. Leia-os, depois esqueça-os, e siga em frente.

Não seguir um manual ao pé da letra, seguir o seu próprio instinto pode criar uma história menos formulaica, mais “viva”, e até mesmo algumas “arestas” do roteiro podem tornar-se pontos fortes, deixando-o mais original.

5) Depois, quando se precisa começar a escrever, para evitar a tensão ligada ao medo da página em branco, começo o projeto a partir do ponto que me é mais fácil: pode ser um diáologo no meio da história, e que eu já desenvolvi minuciosamente.

Quando me bloqueio, começo a trabalhar outra parte da história. Evito com isso os bloqueios demorados, coisas que me dão muito medo.

Por outro lado, é claro que há que se devotar o tempo necessário a resolver certos problemas e bloqueios da narrativa para estimular o cérebro (e fazê-lo funcionar durante o sono, o que funciona muito bem). Eu tento, porém, não ficar continuamente “laborioso”: quando o bloqueio já passa de umas 4 ou 5 horas, eu ataco outra coisa ( outra parta do roteiro, ou mesmo outro projeto), mudo de direção, justamente para que a atividade não perca seu caráter lúdico.

6) Um pouco como um escultor que passa um tempão à trabalhar um detalhe da obra, depois recua para ver o conjunto antes de voltar ao detalhe e assim por diante, também fico um tempo burinando um detalhe da narração (uma página, um diálogo) e depois “recuo” para ver a estrutura geral da história (vulgo sinopse).

Isso me permite verificar se a parte detalhada se encaixa bem no todo e se a harmonia do conjunto da narração é respeitada, se não desviei das “grandes linhas de força” do projeto (quer dizer, a intenção inicial da história, como “dar medo” ou “ser super engraçada para as crianças” ou “parecer um bom episódio de Jason Bourne”).

Esse recuo me permite frequentemente de constatar (com amargura) que meu belo projeto no estilo “Star Wars” está começando a se parecer mais com “O maravilhoso mundo dos Teletubbies”, por exemplo. Aí é então a hora de corrigir o rumo… ou então aceitar a mudança de direção.

Às vezes é bom se deixar levar pelo desenvolvimento que está acontecendo naturalmente e partir para uma viagem ao desconhecido.

7) Nunca começo meu roteiro estando 100% certo de ter nele um “grande tema central”, ou um “simbolismo oculto” (por exemplo, a loucura, a paternidade, etc.): deixo tudo isso aparecer ao longo do trabalho de escrita, sem querer forçar a barra (de outra forma, o trabalho final ficaria mais parecido com um trabalho escolar a respeito de determinado assunto).

Se é necessário que haja um simbolismo na história, deixe-a aparecer por si, naturalmente, à medida que escreve.

Quando porém identifico que uma determinada temática torna-se recorrente no roteiro do álbum, posso por fim pesquisar mais a respeito e retornar, imbuído do assunto, às páginas já escritas a fim de retocar certas passagens e dar um movimento ao todo da narração que seja mais direcionado a essa temática. Faço-o sem forçar, de modo que essas pequenas transformações sejam perceptíveis a mim e não ao leitor. Elas reforçarão a simbolismo oculto da obra, assim como todas as outras coisas que já coloco de modo totalmente inconsciente na história (e que, para meu grande espanto, (re)descubro somente 3 a 4 anos depois durante uma sessão de análise).

8) Criar uma história é antes de tudo escrever, escrever, escrever, com total liberdade, ter o maior número possível de idéias sem julgá-las. Somente após isso, deve-se selecioná-las com toda seriedade. Um bom roteirista é alguém que tem milhares de idéias enquanto escreve, mas que fica com apenas uma dezena delas e joga as outras no lixo.

9) Regra de ouro que nunca respeito o suficiente : é preciso descansar, vadiar e tirar férias. Trabalhar bem não é estar numa corrida maluca todas as 24 horas do dia e ainda passar se culpando de nunca fazer o suficiente. Trabalhar bem é estar 100% concentrado quando se deve trabalhar, e 100% com a cabeça desligada do trabalho quando se faz outra coisa. E isso é, por incrível que pareça, mas fácil de falar do que de fazer.”

(Fabien Vehlmann, roteirista francês e autor de vários álbuns como “Spirou”, “Green Manor” e “Seuls”. Leia aqui o artigo original no blog do autor)

1 Comentário. Deixe novo

  • Caramba todas as ideias são muito válidas!! Obrigado!!!Especialmente gostei da parte das colagens, sempre a usei como um brainstorm mesmo, pra deixar a criatividade juntar formas e cores, e acabou me ajudando muito em questões como composição. E agora essa nova faceta… bem legal!

    Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Preencha esse campo
Preencha esse campo
Digite um endereço de e-mail válido.
Você precisa concordar com os termos para prosseguir

Menu